Na próxima quinta-feira, 26 de novembro, a partir das 19h, será lançado no Vila Bar, em Barão Geraldo, o sétimo e último livro da Coleção Galo Branco de literatura contemporânea, publicada pela Editora Medita neste ano de 2015 com recursos do ProAC, o livro “Arisca”, de Ana Júlia Carvalheiro.
Um livro com poemas e pequenos textos que podem muito bem serem vistos como pequenos poemas em prosa, “Arisca” é livro que parece se mostrar arisco desde o início, ele se esquiva, é daqueles que desconfia de si mesmo e do próprio leitor, “Assim, meu poema sempre obscuro, esconde-se mim, dentro da sombra. Obscurecendo o sentido, prolongo a chegada da derrota”.
As manchas da infância se imprimem logo no primeiro poema, cujo título é o mesmo do livro, e fala da infância mal resolvida, e do sorriso das crianças que dormem, “bizarro e bonito”. O aprendizado da escrita, o esforço da forma, estão em momentos como “Aprendi muitas coisas: a respirar, colocando o ar para fora, todo ele, buscando ele fundo debaixo das entrelinhas dos pulmões […] Aprendi a reler o que escrevo, número de vezes necessário para Enfiar, com letra maiúscula, dentro dos poros e saber de cor todos os erros”.
Um livro corajoso, que diz, sem indiretas, o que não é a mesma coisa que dizer com facilidade, do feminino, do tempo, da velhice, do corpo, do Outro, do romance entre o peixe de asas de fogo e a Girafa-Bexiga-Cheia de O2 num turbilhão de imagens onde, no dissecamento poético da vida, não há espaço para moralismos baratos, conceitos ingênuos, julgamentos fáceis. “A foda é só uma distração, prazer dolorido que arrecada tesão”.
Mas talvez entre tantas imagens, nenhuma diga mais sobre este livro do que aquela da jaguatirica que se insinua – selvagem – por entre alguns poemas como o belíssimo “Quantos anos”. Em um esforço antropofágico reconhecem-se, fazem-se amigas e fotografam-se no poema a Eu – “coisa concreta de corpo com cabeça”, a fada – “mole e inconsistente” e a jaguatirica – “uma encrenca pequena, lenta e atenta, está ainda olhando para nós”.
“Arisca”, encrenca pequena a olhar para nós, demolindo nossos anos, ilusões, passagens firmes, a constante e certa demolição da gente, começando sempre do nosso lugar de origem, a Casa Branca da poeta é também a Casa Velha de todos nós (quem não possui a sua?), o lugar de onde você sai, que não sai de você, o porquê? Não se sabe, e talvez se trate mesmo de não saber. As jaguatiricas são ariscas, indizíveis, invioláveis, feminino selvagem, sem resposta, sem solução. Ainda bem.
Como escreve a autora em suas notas: “Precisamos nos enxergar mais como um mistério, do que como um problema a ser resolvido”. E coube tão bem a este livro e a mim mesma boiando nele. Tentei tantas vezes resolvê-lo, mas ele não tem solução. […] Meu falso eu, esse ser do eu lírico me permitiu tantas aventuras, tantos casinhos, tantas liberdades que eu não sei se peço um tempo ou se caso logo com ele”.
O lançamento de “Arisca” tem entrada gratuita e é aberto ao público em geral. O livro estará sendo vendido no dia pelo valor de R$10,00. Mais informações no evento criado no Facebook.
[…]
A cesta de basquete, o porão, a comida inventada com
jabuticaba
mortadela de madrugada
a galinha-cachorro
a namorada da capital
eu e você
os pelos no rosto
o amor correspondido
a demolição da casa
o terreno baldio
a cidade dorme
o beijo que roubei
os aplausos das crianças da rua
a desculpa do pão
minha descrença, minha culpa
não, foi outra coisa
a demolição da gente.
(p. 40)
* Ana Júlia Carvalheiro Costa nasceu em 1994, na cidade de Casa Branca, aprendeu que jabuticaba dá em tronco e voçorocas podem engolir cidades. Em 2013 fez algumas tirinhas e textos no jornal do Instituto de Artes da UNICAMP,
Ô,Xavante . Publicou seu Self na edição yoJaguar da revista de poesia e traduções Eu onça. Por enquanto se encontra na cidade de Campinas onde arrisca se tornar entre outras coisas uma Midialoga. ariscagalobranco@gmail.com ou está conectada na rede do Zuckerberg, pelo nome que assina.