7º canto: ‘Arisca’, de Ana Júlia Carvalheiro

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Ilustração de “Arisca”

Na próxima quinta-feira, 26 de novembro, a partir das 19h, será lançado no Vila Bar, em Barão Geraldo, o sétimo e último livro da Coleção Galo Branco de literatura contemporânea, publicada pela Editora Medita neste ano de 2015 com recursos do ProAC, o livro “Arisca”, de Ana Júlia Carvalheiro.

Um livro com poemas e pequenos textos que podem muito bem serem vistos como pequenos poemas em prosa, “Arisca” é livro que parece se mostrar arisco desde o início, ele se esquiva, é daqueles que desconfia de si mesmo e do próprio leitor, “Assim, meu poema sempre obscuro, esconde-se mim, dentro da sombra. Obscurecendo o sentido, prolongo a chegada da derrota”.

As manchas da infância se imprimem logo no primeiro poema, cujo título é o mesmo do livro, e fala da infância mal resolvida, e do sorriso das crianças que dormem, “bizarro e bonito”. O aprendizado da escrita, o esforço da forma, estão em momentos como “Aprendi muitas coisas: a respirar, colocando o ar para fora, todo ele, buscando ele fundo debaixo das entrelinhas dos pulmões […] Aprendi a reler o que escrevo, número de vezes necessário para Enfiar, com letra maiúscula, dentro dos poros e saber de cor todos os erros”.

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Ilustração de “Arisca”

Um livro corajoso, que diz, sem indiretas, o que não é a mesma coisa que dizer com facilidade, do feminino, do tempo, da velhice, do corpo, do Outro, do romance entre o peixe de asas de fogo e a Girafa-Bexiga-Cheia de O2 num turbilhão de imagens onde, no dissecamento poético da vida, não há espaço para moralismos baratos, conceitos ingênuos, julgamentos fáceis. “A foda é só uma distração, prazer dolorido que arrecada tesão”.

Mas talvez entre tantas imagens, nenhuma diga mais sobre este livro do que aquela da jaguatirica que se insinua – selvagem – por entre alguns poemas como o belíssimo “Quantos anos”. Em um esforço antropofágico reconhecem-se, fazem-se amigas e fotografam-se no poema a Eu – “coisa concreta de corpo com cabeça”, a fada – “mole e inconsistente” e a jaguatirica – “uma encrenca pequena, lenta e atenta, está ainda olhando para nós”.

“Arisca”, encrenca pequena a olhar para nós, demolindo nossos anos, ilusões, passagens firmes, a constante e certa demolição da gente, começando sempre do nosso lugar de origem, a Casa Branca da poeta é também a Casa Velha de todos nós (quem não possui a sua?), o lugar de onde você sai, que não sai de você, o porquê? Não se sabe, e talvez se trate mesmo de não saber. As jaguatiricas são ariscas, indizíveis, invioláveis, feminino selvagem, sem resposta, sem solução. Ainda bem.

Como escreve a autora em suas notas: “Precisamos nos enxergar mais como um mistério, do que como um problema a ser resolvido”. E coube tão bem a este livro e a mim mesma boiando nele. Tentei tantas vezes resolvê-lo, mas ele não tem solução. […] Meu falso eu, esse ser do eu lírico me permitiu tantas aventuras, tantos casinhos, tantas liberdades que eu não sei se peço um tempo ou se caso logo com ele”.

O lançamento de “Arisca” tem entrada gratuita e é aberto ao público em geral. O livro estará sendo vendido no dia pelo valor de R$10,00. Mais informações no evento criado no Facebook.

imagem 3[…]
A cesta de basquete, o porão, a comida inventada com
jabuticaba
mortadela de madrugada
a galinha-cachorro
a namorada da capital
eu e você
os pelos no rosto
o amor correspondido
a demolição da casa
o terreno baldio
a cidade dorme
o beijo que roubei
os aplausos das crianças da rua
a desculpa do pão
minha descrença, minha culpa
não, foi outra coisa
a demolição da gente.

(p. 40)

Sem título* Ana Júlia Carvalheiro Costa nasceu em 1994, na cidade de Casa Branca, aprendeu que jabuticaba dá em tronco e voçorocas podem engolir cidades. Em 2013 fez algumas tirinhas e textos no jornal do Instituto de Artes da UNICAMP,
Ô,Xavante . Publicou seu Self na edição yoJaguar da revista de poesia e traduções Eu onça. Por enquanto se encontra na cidade de Campinas onde arrisca se tornar entre outras coisas uma Midialoga. ariscagalobranco@gmail.com ou está conectada na rede do Zuckerberg, pelo nome que assina.

“Acredito que as coisas e as experiências são furtivas, que o passado e o futuro não existem”

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Uma das colagens que ilustram o livro “Azulázio”

Será lançado amanhã, 5 de novembro, na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, o quinto livro da coleção Galo Branco de literatura contemporânea, que está sendo publicada pela Editora Medita com recursos do ProAC, trata-se do livro de poemas “Azulázio”, de Anderson Kaltner.

Na entrevista que se segue, Anderson fala sobre seu livro, sobre a origem do título “Azulázio”, sobre como certas presenças existem em sua obra e se deixam capturar pela sua linguagem poética, e também sobre aquilo que o levou a estudar literatura e filosofia.

A questão do aspecto fugitivo das coisas e experiências, o protagonismo do presente e a compreensão da dimensão do céu como algo que contempla “todo o cosmos e todo o caos, das coisas supremas às futilidades humanóides”, atravessam sua fala espontânea e generosa, uma outra “brisa forte”, como ele mesmo chamou alguns de seus poemas.

Galo Branco: O título do seu livro, “Azulázio”, é uma palavra construída, que não encontramos no dicionário, mas que, mesmo designando uma espécie de objeto desconhecido, parece dialogar com questões importantes em jogo nos poemas. Como foi o processo de criação dessa palavra e o que ela permite dizer sobre o livro?
Anderson Kaltner: A palavra “azulázio” me veio como um acréscimo – bem simples – na palavra azul com o sulfixo ázio que geralmente é usada para minerais, como topázio, por exemplo. Achei uma lista de sulfixos num livro de gramática que estava folheando ao acaso. Descobri que àzio tem um sentido aumentativo, então é como se fosse “azulão”, só que achei essa outra forma mais bonita, rs.
Essa palavra veio a calhar ao invés do antigo nome, que era “azul e quase”, pois se referia, na época, à uma experiência de quase morte por afogamento que eu tinha passado.
Mas como você sugere na pergunta, Maura, também acho que essa palavra desconhecida remete à um objeto um pouco surreal e metafísico, e acho que isso é que tem ligação com os poemas que escrevi, alguns sendo “uma brisa forte”, como canta a MC Carol.

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Uma das colagens que ilustram o livro “Azulázio”

GB: Algumas presenças são fortes no seu livro, entre elas a do sonho, de todo um mundo onírico, ritualístico, do amor que se deixa ver na figura dos amantes, e do próprio mundo interior do sujeito, vastos territórios desconhecidos onde sua linguagem parece se aventurar. Tais presenças, no entanto, parecem já se dar como ausências, elas fogem. Como a sua linguagem ensaiou dar conta dessa instabilidade, dessa fuga das coisas, do próprio real?
Anderson: Essa é uma pergunta complicadíssima, rs, até acho que esse tipo de questões vieram até mim, de alguma maneira, pelas pessoas que me são próximas e que nutro uma admiração enorme. Também isso me levou a estudar filosofia/literatura e também a escrever, tanto como um processo de entendimento do que é a linguagem e tanto como uma fuga de algo que é substancialmente real e que não quis encarar por um tipo de medo de adentrar essas fronteiras mais longínquas. Enfim, é uma pergunta que se desdobra no processo criativo que tive ao longo dos anos para sintetizar nesse livro. Mas sobre a última parte da pergunta: acredito que as coisas e as experiências são extremamente furtivas, que o passado e o futuro não existem, e que sempre é esse presente magnânimo que existe, a ideia de um eterno retorno (de algumas tradições budistas ou de Nietzsche e Krishnamurti) muito me ensinou sobre a contemplação da realidade.

fotoGB: Um dos poemas do seu livro repete em diversas linhas, com letras grandes, a seguinte frase: “ESPELHAREI O CHÃO PARA TER O CÉU EM DOBRO”. Não por acaso, muitas ilustrações que acompanham os seus poemas trazem espaços cósmicos, alguns em lugares improváveis, como na vela de uma embarcação. Quais as dimensões desse céu em sua obra e qual seria, no seu livro, o tipo de relação desse céu com o homem, com as coisas do homem – pequenas e efêmeras – e com a terra?
Anderson: Gosto dessas imagens da natureza cósmica e gosto de brincar misturando-as com uma natureza sintética, criada pelos humanóides. Mas como em nossos tempos esses dois âmbitos são completamente remixados e se juntam numa biotecnologia, quase não nos sobra uma margem para o entendimento da natureza como um todo. De observar, simplesmente. Então nos poemas e depois nas colagens, eu adentro nesses temas que me tocam de algum modo, até inconsciente.
Enfim, respondendo a pergunta mais concretamente, a dimensão do céu, espero que seja todo o cosmos e todo o caos, das coisas supremas às futilidades humanóides; a verdade.

 

corpos, sem lembrança dos leitos em que deitaram,
pelos casos do acaso, da nudez refletida em lua cheia
àquela da qual partilhamos no alvorecer.
espelhos dos rostos que resplandecem.

noite em fuga.

do poema alado (polaroid de Tarkovsky) p. 37

‘Azulázio’, de Anderson Kaltner, será lançado em Sorocaba, interior de SP

12170432_10208083188421346_1361828553_nNo próximo dia 5 de novembro, em Sorocaba, interior de São Paulo, acontece o lançamento do livro de poemas “Azulázio”, de Anderson Kaltner, quinto livro da Coleção Galo Branco de literatura contemporânea, que está sendo publicada pela Editora Medita com recursos do ProAC. O lançamento acontece a partir das 18h no Mi Casa Hostel e etc .

Desde o título, o livro de Anderson já sugere quais seriam seus movimentos principais. “Azulázio” nos faz lembrar de “azul”, “azulejo”, duas palavras que aparecem nos poemas do livro, e talvez de topázio, para lembrar da pedra que aparece em um dos seus belos versos: “Amor é o afago da pedra”. Tanto azul, quanto pedra, são palavras de extenso uso poético. Desde a pedra drummondiana até o azul de Mallarmé, temos a tensão que, de certa forma, se desenvolve neste livro entre o lugar dos devaneios, dos sonhos, da imensidão, do inefável, e a pedra, objeto tão comum, rasteiro, das estradas, do chão, que, no entanto, traz em si também ares de mistério ou de coisa insondada, rara.

Anderson Kaltner vive em Campinas, onde faz literatura, toca bateria e estuda filosofia, sem pressa pela malha do tempo. Nos entretempos namora, cozinha com vontade, cuida das ervas do jardim e brinca com gatos. Mantém uma página na internet com seus poemas e colagens.

O livro estará sendo vendido no dia do lançamento pelo valor de R$ 10,00. Mais informações sobre o lançamento no evento criado no facebook. O evento tem entrada gratuita e é aberto a todos.

Com financiamento do Edital nº 34/2014 do Programa de Ação Cultural “Concurso de Apoio a projetos de publicação de livros – Coleção de Obras Inéditas – no Estado de São Paulo”, a Coleção Galo Branco é composta por vários autores, são eles: Pedro Spigolon, Sarah Valle, Augusto Meneghin, Ana Júlia Carvalheiro, Jefferson Dias, Anderson Kaltner e Danilo Carandina. Nesse projeto estão sendo impressos um total de 10.500 livros, divididos em 7 títulos inéditos. Os lançamentos acontecerão até dezembro deste ano em cidades do interior do estado de São Paulo.

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retalhos de mares


possibilidades de chuvas
previsibilidades de poças
revolvendo de bruços
as dores do colchão
os dedos na manta
suspiros no chão
sussurros no mantra.
assim, outra vez,
deito em mim mesmo
de bruços de braços
dados um ao outro

Anderson Kaltner,
do livro “Azulázio”, página 9

5º canto: “Azulázio”, de Anderson Kaltner

foto 2O livro “Azulázio”, do poeta Anderson Kaltner, quinto livro que integra a Coleção Galo Branco de literatura contemporânea, publicada pela Editora Medita com recursos do ProAC, leva no título uma palavra que não pode ser encontrada no dicionário, não tem um sentido já definido, e surge aqui como uma nova palavra, ou neologismo, como se diz, palavra construção, palavra coisa, que concentra em si outros sentidos.

“Azulázio” nos faz lembrar de “azul”, “azulejo”, duas palavras que aparecem nos poemas do livro, e talvez de topázio, para lembrar da pedra que aparece em um dos belos versos que compõem o livro e diz: “Amor é o afago da pedra”. Tanto azul, quanto pedra, são palavras de extenso uso poético. Desde a pedra drummondiana até o azul de Mallarmé, temos a tensão que, de certa forma, se desenvolve neste livro entre o lugar dos devaneios, dos sonhos, da imensidão, do inefável, e a pedra, objeto tão comum, rasteiro, das estradas, do chão, que, no entanto, traz em si também ares de mistério ou de coisa insondada, rara.

“Azulázio” parece combinar em suas imagens essas duas direções. O sonho é uma grande presença – “que permanece por mais tempo” – ao lado dos vastos mundos interiores com seus revestimentos, seus azulejos, do frenético instante do acordar. O eu dos poemas parece encenar uma separação em relação ao ego, uma distância, o movimento do “despertencer”, insinuando o convite ritualístico ao devaneio.

foto 4Os próprios amantes, presença constante principalmente nos poemas iniciais do livro, se envolvem em mistério, têm os rostos cobertos por panos, imagem de um dos poemas que parece dialogar com o quadro de René Magritte chamado justamente “Os Amantes”, onde se vê duas pessoas de cujos rostos só se percebe os contornos através do pano que os cobre.

São presenças em fuga – “noite em fuga, poltronas em fuga” – que o livro poetiza no seu livre e experimental trabalho com a linguagem. Presenças que são, antes de tudo, não presenças, ou presenças fantasmáticas, que fogem, escapam, se dão como ausência.

Se o livro fala de sonhos, imensidão, também fala de ossos, de corpo, de coisas do cotidiano, de um facebook em decomposição, gifs que cansam, e se constrói com uma linguagem bastante próxima, feita de palavras em português, inglês, palavras inventadas ou não, gírias, modismos, afetações ou naturalidades, talvez no sentido de cumprir com um desejo (esforço) manifesto em um dos poemas: de soar macio.

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E assim ele soa, macio, mesmo quando suas letras e sua forma gritam: “ESPELHAREI O CHÃO PARA TER O CÉU EM DOBRO”. Essa frase, que se repete freneticamente em um poema de traços concretistas, também reverbera e parece estar dita nas imagens/montagens/colagens que acompanham os poemas do livro. Uma delas traz uma embarcação em cujas velas se imprime o espaço cósmico e sua imensidão de estrelas. Em outra, o céu noturno com seus pontos brilhantes aparece ao fundo, em outra ainda há um planeta, sobre o qual se sobrepõe algo como uma mandala, ambos sustentados (aqui cria-se a ilusão própria das montagens e, mais uma vez, própria de Magritte) por uma outra forma circular: (talvez) a de uma vitória régia. E há ainda outro universo, no meio do qual paira solitário uma espécie de cristal.

“Azulázio” nos chega, ao que parece não sem certa intenção, como um objeto desconhecido, mais poético do que místico, pois embora seus poemas busquem esse céu em dobro, no sutil movimento de “fazer das paredes gestos lentos”, eles não pretendem nada mais do que ter o “tamanho de um cigarro”.

emudeceremos caso seja muito cedo ainda para dizer sobre
o nosso desejo de soar macio, de fazer das paredes gestos
lentos. dizemos nos despertencendo, emudeceremos caso seja
amanhã muito cedo ainda para dizer sobre o ontem do nosso
esforço de soar macio, de fazer das paredes gestos lentos.
dizemos nos despertencendo e mais uma vez

(p. 33)

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* Anderson Kaltner vive em Campinas, onde faz literatura, toca bateria e estuda filosofia, sem pressa pela malha do tempo. Nos entretempos namora, cozinha com vontade, cuida das ervas do jardim e brinca com gatos. Mantém uma página na internet com seus poemas e colagens.

“Um poema só possui a capacidade de modificar a realidade quando lido pela primeira vez”

livro 3 (2)“É sempre na penumbra ou mesmo na sombra que encontro os primeiros impulsos”, diz Augusto Meneghin ao falar sobre o seu segundo livro de poemas “Pluma e Imensidão”, quarto livro da Coleção Galo Branco de literatura contemporânea, que será lançado no próximo dia 10 de outubro, sábado, a partir das 19h, no Centro Cultural De Araras Leny de Oliveira Zurita.

Na pequena entrevista que segue abaixo, Augusto lembra o inconsciente, os sonhos, e principalmente as imagens ao falar da sua relação com a poesia. O entendimento da poesia como uma presença que se impõe a partir de um estado entre a vigília e o devaneio desdobra-se em uma poética atenta à vivência do mundo interior para a qual nenhuma imagem “é fortuita ou desprovida de profundas significações”.

Se “Pluma e Imensidão” é um caleidoscópio, como diz Augusto, a busca de um encantamento pelas palavras sobrevive em suas páginas, assim como sempre sobrevive a vontade da escrita, vontade da qual o poeta segue ignorando quais seriam as possíveis causas, “justamente porque é uma necessidade e não uma mera profissão ou passatempo amador”.

No continuum da escrita, aos poetas caberia sempre escrever, tantos quantos forem os poemas, capazes de, cada um à sua maneira, modificar a realidade, ainda que seja, como diz o autor de “Pluma e Imensidão” e “Mar sem nós”, apenas quando lidos pela primeira vez.

Galo Branco: Como foi o processo de construção do poema que dá título ao seu livro, “Pluma e Imensidão”? Quais seriam as principais influências, leituras e imagens que se costuram para dar forma a esse poema?

Augusto Meneghin: Pergunto-me inicialmente se a poesia é algo construído, no sentido de um trabalho meramente formal com as palavras. Particularmente, penso que não, embora reconheça a existência de poetas e poetisas que trabalhem sob essa perspectiva. O mero conhecimento das palavras e seus significados não me torna capaz de escrever um poema, da mesma maneira que escrever um poema não significa necessariamente que a poesia tenha ali sua existência. Também não me julgo na posição de determinar o sim e o não do que é uma obra de arte e, portanto, é sempre na penumbra ou mesmo na sombra que encontro os primeiros impulsos. Geralmente isto se dá através de procedimentos que invoquem o inconsciente, ou seja, de processos que lidem com as imagens e todas as implicações que isso possa trazer. Não se trata de gravuras mentais, como entidades fixas, mas de conteúdos dinâmicos que se expressam através das imagens. De certa maneira, poderia fazer uma comparação com os sonhos, pois há semelhanças evidentes. Entretanto, isso seria incompleto, pois o papel da consciência é fundamental quando se trata de materializar os estados interiores. Desse itinerário entre vigília e devaneio, uma presença se impõe e, se seus traços são mais permanentes, se possuem uma característica que se prolongue minimamente através do tempo, então considero que algo relevante surgiu. Neste momento, “fixo” a imagem e, tantas vezes, fui surpreendido com os desdobramentos que ela me apresentou, pois é como se operasse pelo processo inverso: ao invés do significado conduzir a um quadro imagético, são os quadros imagéticos que me conduzem ao significado. A princípio isso poderia ser puro acaso, mas a vivência do mundo interior comprova que quase nenhuma imagem que nos habita é fortuita ou desprovida de profundas significações. Cabe a cada um decidir se integrará isso a sua vida ou se irá considerá-las apenas como espectros sem vida. No caso, o poema Pluma e Imensidão é um caleidoscópio que pode ser lido e, no centro de cada página, um espaço “em branco” que pode ser entendido como um espaço de clarividência. A primeira vez que entendi sobre esse espaço foi através de Radovan Ivšić. Não sei se ele considerava da mesma maneira, pois tive contato apenas com seus poemas. Mas foi assim que o li e que assimilei para a criação deste poema. Uma outra possibilidade é que Pluma e Imensidão correspondam a dois personagens, remetendo ao aspecto de uma realidade mágica em que tudo é animado e que, ao seu modo, comunica-se com os que se dispõem a ouvir e interpretar.

livro 2GB: Tanto o poema “Pluma e Imensidão”, quanto os demais poemas do seu livro exploram um trabalho imagético e plástico do verso, uma musicalidade, afinidades improváveis entre as palavras que aproximam a sua poesia da produção e provocação no leitor de uma espécie de maravilhamento (que, na tradição poética, tanto aproxima a poesia da antiga magia, por exemplo), onde o sentido não tem tanta importância ou tem exatamente a mesma importância que o som da palavra, sua plasticidade, estando um intrincado no outro. Esse “encantamento pelas palavras” estaria no horizonte da sua poética?

Augusto: Certamente. E espero que esse encantamento não apenas pelas palavras possa me acompanhar antes mesmo de qualquer arte ou artifício, pois quase sempre quando as palavras estão no papel é porque algo já nos abandonou e sabemos que nunca mais poderemos retornar. Mesmo assim, escrevemos na esperança tola de que isso não se perca ou que se transmita aos outros. É próximo de Sísifo: subimos e descemos porque estamos condenados. A diferença é que nenhum deus determinou nossa condenação e muitas vezes ignoramos os motivos que nos levam a escrever, justamente porque é uma necessidade e não uma mera profissão ou passatempo amador. Ocorre-me que um poema só possui a capacidade de modificar a realidade quando lido pela primeira vez. Por isso os chamados poetas estão sempre escrevendo, porque a eles nunca é dado ler o próprio poema pela primeira vez.

GB: Há alguma relação, de continuidade, ressonâncias, ou mesmo de ruptura, entre “Pluma e Imensidão” e seu livro anterior, também publicado pela Editora Medita, “Mar sem nós”?

Augusto: Acho que isso conseguirei responder somente quando mais tempo me separar das obras. Ambos os livros possuem muitos elementos que ainda não se tornaram profundamente claros. Aparentemente sempre somos as obras, ou deveríamos ser. Se há ruptura, é porque nós mesmos rompemos algo e isso não significa que a obra tenha perdido seu lugar. Como disse Heráclito: “Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas.”

4º Canto: “Pluma e imensidão”, de Augusto Meneghin

pluma livro

Pluma e imensidão, de Augusto Meneghin, quarto livro publicado pela Coleção Galo Branco, sugere, desde o título, o universo a partir do qual ele se constrói e transmite ao leitor. A pluma, de nobreza delicada, e a imensidão, o espaço-mundo, dotados de voz, possibilidades, protagonistas de correspondências, repletos de aura.

Isadora Krieger, em sua apresentação ao livro, escreve: “Descemos e subimos concomitantemente através da beleza. E não me refiro somente à beleza agradável, delicada, mas também à beleza violenta, religiosa e erótica, todas com que me deparei neste livro, todas que convergem para o questionamento do ser”.

De rara beleza se faz o primeiro dístico do poema que dá título ao livro:

exceto o pássaro em seu primeiro voo,
poucos atravessam uma nuvem em todas as direções
(p. 15)

livro 2Talvez não seja distante dizer que está dado, logo ali, o desafio lançado pelo poeta ao leitor, e mesmo à própria poesia: alcançar a capacidade de, como no primeiro voo, que poderíamos pensar como uma imagem da própria infância, essa origem inescapável, habitar o mundo, corresponder-se com ele, enredar-se nessa imensa e inacessível teia de tudo. Ou, como diz a epígrafe do livro, de Mary Esther Harding, vivenciar o real como “uma espécie diferente de realidade, que é, entretanto, “corporificado” na interação das forças deste mundo (…)”.

O poema “Pluma e imensidão” constrói-se graficamente em curtas estrofes, de um ou dois versos, separadas pelo meio da página em branco. O vazio explorado da página surge como um abismo, talvez uma forma de representar a imensidão, onde podem, porventura, alojar-se todos os silêncios, suspenderem-se todas as palavras. Trata-se, antes de procurar um sentido, de experimentar as sensações que nos chegam do trabalho plástico e estético de cada verso. Nas extremidades da página, as pequenas estrofes ganham uma força inesperada, não só pela sua “solidão”, como também pela sutil delicadeza de imagens como:

é ela quem diz: “há um entardecer em minhas pupilas”
(p. 16)

Um livro onde o espaço-mundo parece se imprimir em tudo, doce e violentamente, esboçando estados de interação e correspondências. Assim, no poema, “Tema para um Faroeste Imaginário”, um vagão se deixa colorir pela folhagem do caminho e milhares de rios sustentam a face onde há sol nos olhos. O mundo termina por deixar-se medir no diâmetro de um dia.

livro desenhoNos movimentos deste livro, o amor aparece em um dos poemas em sua “moldura lisa” de forma fatalmente inacabada, as cenas do cotidiano se infiltram, o ser se questiona, se olha, questiona o funcionamento das coisas ao seu redor. A passagem do tempo, alheia à vontade humana, reconhece-se na autonomia das flores para viver ou morrer, sem o menor aviso ou lógica.

Como nos sugere os versos do poema “Novas correspondências”, somente um elemento seria capaz de quebrar essa repetição aparentemente inescapável e apontar o caminho de novas correspondências. Uma traição, evento singular e raro, responsável por fazer mover o mundo na direção de uma fidelidade mais alta. Falamos, talvez, de poesia? Da preservação de algum mistério, às vezes trágico, que só os mortos podem enxergar?

Nessa época que o eu lírico de “Carta de Perdão aos Senhores do Mundo” reconhece como aquela em que morrer nunca foi tão simples, a poética de Augusto tenta, de alguma forma, dizer desse mistério a que se lança o poeta – esse visionário – pela materialidade da sua linguagem. Nela, o elemento rebelde pode tanto ser a leoa que trai sua fome por piedade da zebra, quanto o poeta que trai o abrigo das certezas, pelos riscos da imensidão.

[…]

livro 4 (2) Para avançar um milênio
é preciso que exista alguma traição,
que alguma nova correspondência
seja feita por um elemento rebelde.
A isto chamo passagem:
por audácia e liberdade
seguir uma fidelidade mais alta
e hastear para sempre
um novo mistério.

(p. 54)

  • livro 3 (2)Augusto Meneghin nasceu em Araras, interior de São Paulo, no ano de 1987. Atualmente, se dedica à poesia e às artes plásticas. Publicou, em 2014, pela Editora Medita, um livro de poemas intitulado O mar sem nós. Mantém um site onde publica alguns textos e imagens de seu trabalho. “Da angústia, centro no qual o drama cósmico se desenrola e lugar onde a criação faz seu labirinto de acasos, nutro o sentido de meu movimento. E se falo em poesia, não é por hábito trágico, mas porque assim diz-se muitos caminhos”. 

3º canto: ‘Silenciosa maneira’, de Jefferson Dias, e a reflexão que integra vida e poesia

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Foto de Wladimir Vaz

Silenciosa maneira, de Jefferson Dias, é o terceiro canto que chega aos leitores por meio da coleção de obras inéditas Galo Branco, que está sendo publicada pela Editora Medita com financiamento do ProAC. Pela mesma coleção já foram lançados Espanto, de Pedro Spigolon, e O Espelho d’água, de Sarah Valle.

Como escreve Wilson Alves-Bezerra, professor de literatura da UFSCar, no prefácio do livro, “não é de silenciosa maneira que os poemas do segundo livro de Jefferson Dias chegam aos leitores”.

Construídos a partir de fortes imagens, com uma linguagem que combina um vocabulário erudito e palavras comuns, os poemas de Jefferson Dias transmitem logo de início a presença marcante de dois sentimentos que atravessam todo livro: o medo e a morte, ambos mutuamente alimentando uma certa atmosfera de melancolia sempre a fazer-se, na sua peculiar e silenciosa maneira. “Que o amor enleve a minha melancolia”, diz o primeiro verso do poema “Ressaibo”, revelando ao leitor um eu lírico recortado por uma tristeza vaga e constante, podendo ser arrebatada, quem sabe, pelo amor.

Insistentes no medo e em certo desamparo, ou inutilidade de tudo diante de uma impossibilidade de comunicação, dizem os versos do poema “Recidiva”:

Corre-me nas veias o leite do medo;
Não posso falar-te
E tu não me podes ouvir.

Ecos do poeta Augusto dos Anjos percebem-se por todo o livro, seja na expansão de imagens de dor, horror e morte, seja em um vocabulário que nos fala de cancro, mênstruo, esperma, leite, cuspe e gangrena, com um gosto pela anormalidade que se revela poética, tanto naquele poeta dos sonetos que eram subvertidos em sua rigidez de forma clássica pelo conteúdo, quanto neste poeta contemporâneo dos versos livres interessados mais “no anacrônico e no extemporâneo, do que no coloquial e no familiar”, como diz Wilson Alves-Bezerra. 

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Não há facilidade nesse livro inicialmente difícil e perturbador, “atrevido”, como bem apontou Wilson Alves-Bezerra, sobretudo há tensões entre materialidade e metafísica, entre festins e solidão, entre o poeta – esse ser dos paradoxos – e o poema – esta fantasmagoria – entre o eu e o outro. Justamente é o poema um grande personagem deste livro ensurdecedor em seu silêncio, objeto refletido em tantos momentos, de tantos versos.

No poema “Petição”, por exemplo, o medo percorre as imagens servindo como metáfora para o próprio poema.

Como quem mata ou alimenta.
Teu poema é o medo.
Tu te arrojas, cancro e sombra de felino –
Arrasadas as habitações no centro da noite,
Emudecidas as posses no comum da mudança –;
Teu poema mudara.

Teu poema era a novidade na dança da madeira;
O medo era o animal na tua resposta.

Alcançaste.

E tornarás a alcançar.

Um livro de momentos sensualmente corpóreos, como o destes três versos que iniciam a segunda parte do poema “Voz”,

O sexo macio e arrefecido pelo lado de dentro,
O pudor e a obscenidade metidos dentro
De uma porção apanhada e enrolada de cabelo feminino,

e também de lampejos espirituais como este que pousa generosamente na alma ao final do poema “Saudade”, preenchendo-a com uma suave tristeza, uma melancolia contínua que nos causa o tempo diante das inúteis e silenciosas maneiras que seguimos inventando para recompor as alegrias passadas.

Não há resposta útil. Mas uma tristeza suave.
E esta silenciosa maneira de recompor –
Sem êxito –
As alegrias empoadas
E de esperar insistindo, como houvesse alguém
Que nos queira ouvir.

A mesma melancolia continua a fazer-se nestes momentos de um lírico desamparo desdobrado em desencontros, que nos chega de forma tão próxima em versos como:

A poeira eterna dos nossos desencontros,
O silêncio inexpugnável das confissões
Que jamais levamos a efeito,
Pedaços de coisas inúteis metidos dentro
Nas gavetas impudentes,

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Jefferson Dias

Em dois movimentos parece fazer-se esse “Silenciosa maneira”. Se em um instante busca prolongar um pensamento que se debruça sobre a inutilidade da vida diante da morte, sobre um brutal desamparo do sujeito, uma aparente ausência de maiores sentidos, também reverbera resistências, insistências, deixando falar a própria vida que escapa, ainda que brevemente, por entre a “morte, rubra e dourada, (que) encrespa as duas margens”.

Neste sentido, é no mesmo poema, separados por poucos versos, que o poeta diz: “Há este desejo antediluviano e ciclópico de partir”; para logo em seguida, acrescentar: “Este desejo antediluviano e ciclópico de permanecer”. Não há como não pensar em Freud quando este diz ser a morte o destino de toda vida, e, ao mesmo tempo, pensar no caminho contrário, aquele que também percebe ser a vida o destino de toda morte. Tais intervalos entre partir e permanecer, tais hesitações e deslocamentos se tensionam seja neste livro de poemas de Jefferson, seja na própria existência, onde os instantes de fugaz alegria estão intercalados com aqueles outros, sempre constantes, de solidão.

Por isso, este livro, se esboça um elogio à metafísica

A ideia metafísica faz com que haja algo além
Do espaço e do tempo bestiais; o que torna as
Coisas mais difíceis aos seres racionais, mas também
Mais belas

também vai dizer,

Não há razão por detrás das estrelas,
Há apenas a vida
E a razão

complementando,

A vida é um acaso refugindo fundo:
Buscar e rebuscar um cancro para a cura.

deixando-nos impressa, por entre vermes, sangue e podridão, uma silenciosa promessa de beleza.

Pedro Spigolon: “Não se conformar com a miséria: esse deve ser nosso maior crime”

CARLOS DRUMMOND 4No seu tão conhecido e cada vez mais necessário poema “A Flor e a Náusea”, o poeta Carlos Drummond de Andrade oferece ao leitor a imagem de uma flor, um tanto desbotada, tímida, cujas pétalas não se abrem, visivelmente feia, que, apesar de sua “forma insegura”, nasceu na rua, no meio do burburinho da cidade.

“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”

t-s-eliotEsse último verso do poema, aparentemente simples, diz muito sobre o fazer poético nesses tempos já chamados por Hölderlin de “tempos de pobreza”, e por T.S.Eliot no seu emblemático e decisivo poema “The Waste Land” de “terra devastada”.

A questão da modernidade sempre se impôs à poesia, inserindo nesta última seus temas e questões e, ao mesmo tempo, transformando-a. A poesia passa a tematizar a modernidade a partir principalmente da transição do século XIX para o século XX, e isso inclui falar dos traumas, dos choques – para lembrar a expressão de Walter Benjamin quando estuda e comenta a obra de Charles Baudelaire – dos processos em que o sujeito se vê imerso no tédio, no nojo e no ódio, espreitado pelas melancolias e mercadorias, como acontece com o eu lírico do poema drummondiano.

O próprio poema de Drummond expõe, de forma crua, a situação do poeta em uma dada época, dizendo:

“O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse”.

O poeta e sua época, ou, poderíamos dizer, o poeta diante de sua época, o poeta entediado diante das coisas frias, que surdas silenciam, e que, apesar de, e aqui talvez resida o movimento essencial, se depara com a flor mais improvável, mais impensável, e recupera de novo o espanto diante de si mesmo e do mundo.

11178298_1583907831894972_8865108173844791058_nO primeiro livro da Coleção Galo Branco, que está sendo publicada pela Editora Medita, intitulado “Espanto” e escrito por Pedro Spigolon, traz justamente no título essa capacidade de espantar-se, que parece carregar consigo a resistência, a sobrevivência da flor, da poesia improvável, mas que está ali.

“Espanto”, que teve lançamentos realizados na cidade de Campinas e também em Araras, interior de São Paulo, de onde é natural seu autor, e todos os livros que serão publicados dentro da mesma coleção depois dele, são vozes literárias que podemos pensar como imediatamente sobreviventes, isso porque são entoadas em uma época onde as condições da modernidade e do ser moderno já foram levadas ao extremo. São todas vozes cúmplices de um crime que se deve cometer: aquele de fazer poesia justamente ali onde tudo parece negá-la, sendo a voz desconcertante, e não a voz confortável, encarando o feio, o repugnante, ou, como diria Agamben, a treva de nossa época, para então sermos, de fato, contemporâneos dela.

Pensando em tudo isso, perguntamos a Pedro o que significava, para ele, espantar-se e fazer poesia em uma terra que, como diria T.S.Eliot, é, cada vez mais e por diversos motivos, uma “terra devastada”. Ao que ele nos respondeu:

21099_501351366596401_1341745603_n“Não acho que a poesia seja sagrada ou pura. Que ela irá nos salvar de nossa devastação. Acredito que Eliot também não pensava assim. A poesia e a arte são sujas, podem estar em qualquer lugar, principalmente onde há mais devastação ou desolação. Talvez por isso ele tenha escrito esse poema. E nada do que está ali evitou uma segunda guerra, ainda mais feroz, destruidora e desumana. O que o poema pode fazer é criar uma voz para essa desolação: assim podemos entendê-la melhor, senti-la sem a naturalidade que a vida e o hábito nos obrigam. Antes, o que era fragmento, destruição, pedaço, torna-se um todo que é capaz de dizer algo –ainda que seja completamente caótico, com multiplicidade de vozes como é o caso desse poema. Assim como Eliot entendeu melhor sua depressão e loucura depois de ter escrito esse poema, a Terra também entendeu melhor a destruição e o abandono em que se encontrava. Por vezes, ouvir dizer dos mortos não é o bastante para nos arrancar da letargia, mas ler que plantamos defuntos no nosso jardim e que aguardamos a primavera, esse mês cruel de abril, para ver brotar suas flores fétidas nos faz cúmplices da devastação, nos faz iguais e irmãos de todo o abandono em que estamos jogados. Acredito que fazer poesia hoje signifique exatamente isso: conseguir arrancar-nos de nossa sonolência e nos espantar com o que sempre esteve aqui, mas de tão óbvio ou tão cruel, não vemos ou nos recusamos a ver. Não acredito numa poesia fofa, numa poesia de algodão doce. Do amor – com “a” minúsculo- do menininho pela menininha, ou contrário. O que não significa que deixe de escrever poemas de amor ou não fale sobre a inocência da criança. Mas que a excessiva fofura mantém o mundo do tamanho que ele está –talvez até o diminua- e o que nos interessa é criar formas que possam aumentar a possibilidade de existência no mundo. De olhar para nós mesmos e desejar nos superar de alguma forma. Acho que é não se conformar com a miséria: esse deve ser nosso maior crime e motivo de nosso contínuo espanto”.